Texto do Prof. Dr. Wilson Correia, publicado no blog Recanto das Letras:
Lidando diariamente com questões relativas ao “fazer” e ao “ensinar” filosofia em nosso sistema educacional, deparo, todos os dias, com a “Teoria do basta”. Para os adeptos dessa teoria, o entendimento é o de que para fazer e ensinar filosofia “basta interpretar”, “basta comentar”, “basta refletir”.
No âmbito da “interpretação”, vejo e ouço pessoas inteligentes dizendo; “Neste trecho, nesta obra, neste trabalho... o autor X quis dizer Y”. Aí o comentador se arroga o direito de dizer o que o “outro quis dizer”. É o interpretador querendo-se a si próprio onisciente, qual uma entidade divina que detém o sentido e o significado do conteúdo escrito do autor X. Ora, somente uma pessoa no mundo pode dizer o que um autor quis dizer: o próprio autor do trecho, da obra e do trabalho estudado, feitos, evidentemente, de conceitos os quais todo humano de inteligência mediana pode explorar para COMPREENDER. Como, geralmente, esse autor X aí é um morto, então essa tentativa do interpretador não passa de usurpação e charlatanismo filosóficos. Isso é fazer filosofia? Essa prática deve merecer gasto de energia em situações reais de ensino e aprendizagem em nosso sistema educacional brasileiro?
Quando deparamos com o “comentário”, irmão gêmeo da interpretação, a prática segue um pouco aquilo que afirmou Whitehead, de que “o desenvolvimento da filosofia ocidental tem sido uma mera adição de notas de rodapé à filosofia de Platão”. Aí o comentador não apenas “interpreta”, mas “explica” o original, valendo-se da forma do comentário. Ele chega ao cúmulo de dividir o indivisível: o “primeiro Marx”, o “segundo Marx”... Chega a afirmar: “isso, segundo o primeiro Wittgenstein, porque, no segundo Wittgenstein, é outra coisa”, como se o sujeito não tivesse direito de modificar o próprio pensamento, sendo cindido em si mesmo e feito dois autores diferentes, e não um sujeito social que produziu e modificou (para melhor ou para pior) o próprio pensamento... Estranho demais! Mas... comentar é fazer filosofia? Talvez, longe disso, seja um subterfúgio para não se pensar concretamente nos problemas atuais que nos afligem. Os clássicos originais fizeram filosofia porque debruçaram sobre os problemas de sua época, os quais tem facetas diferentes em nossos dias e precisam ser enfrentados por vivos, e não por pensamentos de mortos que já vieram ao mundo e deram suas inegáveis contribuições. Lê-los e usá-los para compreender a história atual, sim; repeti-los em intermináveis comentários que tentam esclarecer o que os clássicos quiseram dizer, não! Mas... tem gente que casa com Platão, Aristóteles, conforme o gosto, e não apenas casa, mas se torna escravo do dito do grego, do morto, do gênio que veio antes e pensou. Aí a verdade: se ser escravo de vivo já é absurdo, imagine ser escravo de um morto? O pior é fazer-se escravo do morto não porque o morto o quis, mas por livre e espontânea adesão, como bem alertou Étinne de La Boetie em seu famoso discurso.
Parece óbvio que interpretação e comentário são operações discursivas de quem lida com o fazer e o ensinar filosofia como tarefas que se prestam à “reflexão” filosófica, ao ouroboros verborrágico de quem fica circulando em torno do pensamento já pensado, sem dar azo a que o novo e o vir-a-ser possam ser produzidos. Os alunos de nossas academias sabem muito bem disso: interpretam, comentam e refletem porque, ao contrário, estarão irremediavelmente perdidos. Ai deles se ousarem pensar por conta própria! “Repitam, reproduzam!”, infinitamente, e tudo estará em paz. Se está decidido de antemão que aprender e fazer filosofia é interpretar, comentar e refletir (regimes de verdade preditando ações), toda criação não terá lugar em nossas salas de aula, em nossos trabalhos acadêmicos e em nossas produções docentes e discentes. Haverá pior filosofia do que essa que “reflete” em vez de provocar o novo de nossa produção?
Fazer transposição didática, então, não significa cair no tecnicismo da esmiuçassão conceitual, nem se identifica com essa prática de reflexão que não sai do lugar. O desafio aí é o de que temos uma produção consagrada (clássica) e que ela deve ser estudada, mas de maneira a nos fazer compreender a vida atual, a sociedade de hoje e a história que estamos fazendo. Sem compreender a nossa própria vida, pouco ou quase nada de sentido existencial poderá qualificar a nossa breve passagem pela Terra. Um currículo de formação filosófica que segue esse norte da criação, sem se contentar com a mera repetição, parece-me, coloca-se no bom caminho.
Lidando diariamente com questões relativas ao “fazer” e ao “ensinar” filosofia em nosso sistema educacional, deparo, todos os dias, com a “Teoria do basta”. Para os adeptos dessa teoria, o entendimento é o de que para fazer e ensinar filosofia “basta interpretar”, “basta comentar”, “basta refletir”.
No âmbito da “interpretação”, vejo e ouço pessoas inteligentes dizendo; “Neste trecho, nesta obra, neste trabalho... o autor X quis dizer Y”. Aí o comentador se arroga o direito de dizer o que o “outro quis dizer”. É o interpretador querendo-se a si próprio onisciente, qual uma entidade divina que detém o sentido e o significado do conteúdo escrito do autor X. Ora, somente uma pessoa no mundo pode dizer o que um autor quis dizer: o próprio autor do trecho, da obra e do trabalho estudado, feitos, evidentemente, de conceitos os quais todo humano de inteligência mediana pode explorar para COMPREENDER. Como, geralmente, esse autor X aí é um morto, então essa tentativa do interpretador não passa de usurpação e charlatanismo filosóficos. Isso é fazer filosofia? Essa prática deve merecer gasto de energia em situações reais de ensino e aprendizagem em nosso sistema educacional brasileiro?
Quando deparamos com o “comentário”, irmão gêmeo da interpretação, a prática segue um pouco aquilo que afirmou Whitehead, de que “o desenvolvimento da filosofia ocidental tem sido uma mera adição de notas de rodapé à filosofia de Platão”. Aí o comentador não apenas “interpreta”, mas “explica” o original, valendo-se da forma do comentário. Ele chega ao cúmulo de dividir o indivisível: o “primeiro Marx”, o “segundo Marx”... Chega a afirmar: “isso, segundo o primeiro Wittgenstein, porque, no segundo Wittgenstein, é outra coisa”, como se o sujeito não tivesse direito de modificar o próprio pensamento, sendo cindido em si mesmo e feito dois autores diferentes, e não um sujeito social que produziu e modificou (para melhor ou para pior) o próprio pensamento... Estranho demais! Mas... comentar é fazer filosofia? Talvez, longe disso, seja um subterfúgio para não se pensar concretamente nos problemas atuais que nos afligem. Os clássicos originais fizeram filosofia porque debruçaram sobre os problemas de sua época, os quais tem facetas diferentes em nossos dias e precisam ser enfrentados por vivos, e não por pensamentos de mortos que já vieram ao mundo e deram suas inegáveis contribuições. Lê-los e usá-los para compreender a história atual, sim; repeti-los em intermináveis comentários que tentam esclarecer o que os clássicos quiseram dizer, não! Mas... tem gente que casa com Platão, Aristóteles, conforme o gosto, e não apenas casa, mas se torna escravo do dito do grego, do morto, do gênio que veio antes e pensou. Aí a verdade: se ser escravo de vivo já é absurdo, imagine ser escravo de um morto? O pior é fazer-se escravo do morto não porque o morto o quis, mas por livre e espontânea adesão, como bem alertou Étinne de La Boetie em seu famoso discurso.
Parece óbvio que interpretação e comentário são operações discursivas de quem lida com o fazer e o ensinar filosofia como tarefas que se prestam à “reflexão” filosófica, ao ouroboros verborrágico de quem fica circulando em torno do pensamento já pensado, sem dar azo a que o novo e o vir-a-ser possam ser produzidos. Os alunos de nossas academias sabem muito bem disso: interpretam, comentam e refletem porque, ao contrário, estarão irremediavelmente perdidos. Ai deles se ousarem pensar por conta própria! “Repitam, reproduzam!”, infinitamente, e tudo estará em paz. Se está decidido de antemão que aprender e fazer filosofia é interpretar, comentar e refletir (regimes de verdade preditando ações), toda criação não terá lugar em nossas salas de aula, em nossos trabalhos acadêmicos e em nossas produções docentes e discentes. Haverá pior filosofia do que essa que “reflete” em vez de provocar o novo de nossa produção?
Fazer transposição didática, então, não significa cair no tecnicismo da esmiuçassão conceitual, nem se identifica com essa prática de reflexão que não sai do lugar. O desafio aí é o de que temos uma produção consagrada (clássica) e que ela deve ser estudada, mas de maneira a nos fazer compreender a vida atual, a sociedade de hoje e a história que estamos fazendo. Sem compreender a nossa própria vida, pouco ou quase nada de sentido existencial poderá qualificar a nossa breve passagem pela Terra. Um currículo de formação filosófica que segue esse norte da criação, sem se contentar com a mera repetição, parece-me, coloca-se no bom caminho.
Um comentário:
Filosofia como outros Sistemas Educacionais, foram inventados para a própria Educação do "SER" e nos dia de hoje sabemos que Três Sistemas abrange todo Universo do "SER" = Religião / Ciência / Esporte (Não necessariamente nessa Ordem . Sendo que a Filosofia compõe a parte de Educação desses Três Sistemas e os outros que estão contidos nos mesmos, formando uma Democracia de Relações Humana do "SER" OBS. Vale salientar que o "SER" só precisa participar de um desses Sistemas predominante que estará incluso nos outros ! Paz e Bem !
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