Colaboração - Murilo Garcia (graduando - Filosofia - UFBA)
Em os “Dois dogmas do empirismo”, Quine apresenta uma série de argumentos que torna a distinção entre verdades analíticas e verdades sintéticas sem fundamento, e também uma posição contra o redutivismo (a crença de que todo enunciado com sentido equivale a alguma construção lógica baseada em termos que se referem à experiência imediata). A defesa de Quine é que grande parte da filosofia moderna foi erigida sobre estas noções, e, portanto, carecem de bons fundamentos. Se é com razão que a distinção entre verdades analíticas e sintéticas não é segura, como, por exemplo, poderia haver algo como a Filosofia analítica? A questão é que Quine entende que não há uma forma de se estabelecer fronteiras precisas entre a metafísica especulativa e a ciência natural. Em 1950, em um simpósio chamado “Tendências recentes da filosofia”, Quine diz: “não há nenhum teste para determinar onde começa o apelo à realidade empírica e onde começa o apelo às relações entre idéias, aos significados das palavras”[1]. O terreno em que a Filosofia analítica se propõe a trabalhar, portanto, é mais impreciso do que os filósofos desta corrente costumeiramente julgam. No limite, estes filósofos podem até mesmo estar assombrados por uma metafísica que pensam estar completamente isentos. O fato é que, sem um bom critério para separar o que está e o que não está entremeado de conteúdo empírico, nós temos que admitir que a metafísica, as ciências naturais e todas as demais coisas que chamamos conhecimento, na verdade, apresentam questões de mesma natureza. Portanto, o limite que as separam é apenas uma distinção de grau, e a hierarquia entre os conhecimentos se estabelece tendo em vista a capacidade destes de nos fornecer a mais eficaz maneira de prever experiências futuras. Essa é a posição de Quine, que aparece no fragmento a seguir: “(...C)omo físico leigo que sou, creio nos objetos físicos e não creio nos deuses de Homero, e considero um erro científico orientar sua crença de outro modo. Mas enquanto fundamento epistemológico, os objetos científicos e os deuses diferem apenas em grau, não em essência.”[2] Dessa maneira, Quine não deixa imune nem mesmo os objetos matemáticos, que são entidades abstratas (classes e classes de classes, etc.); estes não possuem estatuto epistemológico diferente dos mitos (embora sejam superiores). A ciência, nesta nova compreensão, já não é mais um tipo de conhecimento que tem acesso direto à realidade, e que tem este aspecto como o que a diferencia das quimeras e da religião. A ciência é, na verdade, uma fábrica sintética que entra em contato com experiência apenas ao longo de suas margens (o que não compromete o seu privilegiado acesso à realidade). A partir desta crítica radical, Quine defende que a filosofia deve orientar-se em direção ao pragmatismo. Isto não significa que a filosofia precisa abandonar uma atitude empírica frente as suas questões, mas sim que ela não pode mais contar com os dois dogmas então denunciados. Uma postura mais modesta precisa ser assumida, já que as relações entre linguagem e realidade são turvas e indefinidas. Assim, para Quine, o único modo de funcionamento da filosofia vai de encontro ao das ciências naturais, cuja área de investigação oferece um acesso mais claro à realidade e cuja capacidade de previsão é superior aos demais tipos de conhecimento. A filosofia, destarte, não deve preocupar-se em definir a natureza de sua investigação, pois ela não possui bons critérios para isto – a sua natureza não difere da ciência, da religião ou dos mitos. Ela deve sim considerar que abusca pelo conhecimento da realidade leva em conta o todo das ciências e das experiências passadas, e que uma nova verdade é assim entendida uma vez que está de acordo com este conjunto de conhecimentos já antes estabelecidos (e não em um acordo direto com a realidade). Afinal, nenhuma experiência concreta e particular está ligada diretamente com um enunciado concreto e particular no interior do campo[3]. Devemos saber, dessa maneira, que é apenas hipoteticamente, e à luz das experiências passadas, que se torna possível a previsão de novas experiências. Aceitando esta idéia, devemos aceitar também que o campo de investigação das ciências naturais, cuja capacidade preditiva aparece com força, é o mais adequado quando o assunto são questões sobre a ontologia. E a filosofia, que por definição abarca a ontologia enquanto estudo do ser e da realidade desejando o mais alto grau de certeza, deve, portanto, ser pragmática neste sentido: ela deve aproximar-se das ciências naturais e, com base no corpo de todos os conhecimentos já anteriormente estabelecidos, forçar a experiência a responder às suas novas especulações.
soluções verbais, princípios firmados e sistemas fechados devem ser postos de lado para dar lugar a uma atitude empírica, que leva em conta, ademais, o fato de que todas as realidades influenciam nossa prática. Seguir tal método é, pois, tentar interpretar cada noção traçando as suas conseqüências práticas
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