Comentário de Apel sobre o relativismo filosófico atual


A ARGUMENTAÇÃO CONDENSADA DE APEL (CONTRA RORTY, ETC.) EM ENTREVISTA (APARENTEMENTE JÁ DE ALGUM TEMPO) À FOLHA.

A crítica pragmática de que os significados das palavras são relativos ao meio político-social que utiliza essas palavras (as formas de vida e os jogos de linguagem de que falam os wittgensteinianos), ou seja, a tal saída de cena da metafísica como critério da verdade para a entrada da política e da contingência histórica como critério, como diria meu amigo Rorty, é um dado fundamental. Não reconhecer o peso (e a angústia) da "verdade" que trouxe o pragmatismo americano é uma ilusão perigosíssima!
Todavia (e aí incorro no "pecado europeu", como diz Rorty, eu e o Habermas somos grandes "pecadores"), não se pode simplesmente ficar paralisado diante da vitória da "doxa" sobre a "episteme". É a morte do pensamento, e é uma ilusão achar que o homem pode sobreviver à morte do pensamento! Esse problema me parece crucial: os relativistas contemporâneos, principalmente os pragmáticos, que são os mais radicais, não percebem que o valor de sua "descoberta" está na crítica que ela faz do solipsismo cognitivo e epistemológico da teoria do conhecimento moderno (na realidade começa com Santo Agostinho).
(....). Descartes, Kant, Husserl, todos erraram quando pensaram que era um tipo de "eu penso" solitário que poderia gerar uma racionalidade fundante para qualquer "ciência". Proponho abandonar o "eu penso" pelo "eu argumento". E no plano moral ainda é mais evidente tal fato: a moral, em sua essência, não trata da realidade individual e solitária de um homem. E essa é a grande liberação da razão que trouxe Habermas para os desesperados de Frankfurt: a Razão não é só evidentemente estratégica, e esta não é radicalmente racional. A razão está concretamente presente na linguagem. Existem condições de possibilidade universais que sustentam qualquer argumentação séria possível, sem as quais o argumentador cai em autocontradição performativa. A filosofia transcendental é que deve lançar luz sobre essa questão.
(...)Na realidade ninguém, nem o segundo Wittgenstein, nem Rorty, nem qualquer outro representante do "linguistic-pragmatic-hermeneutic-turn" pode renunciar ao recurso lógico-intelectual público para expor suas teses relativistas acerca da não validade universal das propostas filosóficas. No "público" já está implícita a racionalidade discursiva. Assim sendo, os relativistas recorrem a esquemas não-relativistas da argumentação para "provar" a não-racionalidade da argumentação. É contradição performática. Esse tipo de procedimento é um verdadeiro símbolo da atividade conceitual dos pragmáticos não-transcendentais.
(...)
É por isso que afirmo que é um tipo de racionalidade que demanda um outro tipo de binômio cognitivo: sujeito/co-sujeito e não sujeito/objeto, como nas teorias solipsistas modernas. É uma validade epistemológica intersubjetiva e não uma busca de objetividade ingenuamente neutra, como nos propõe uma ciência cega.
Os cientistas estão imersos em uma comunidade comunicacional real, do contrário não conseguem nem mesmo fazer a hipótese "acontecer". Se um grupo de pessoas discute algo com a intenção de chegar a uma conclusão, quem roubar no jogo destrói a argumentação. Não se trata de uma "adesão" volitiva irracional de tipo popperiano, mas de uma adesão racional cognitiva: se roubarmos no jogo, acaba a argumentação, e a cognição buscada se desfaz. Sem esse campo democrático de respeito, toda fala é blablablá... É a argumentação que deve ser o modelo transcendental (sentido kantiano) para a fundação de uma ética atualmente (o que chamo de ética da discussão), em um mundo pós-metafísico, sem Deus e cheio de almas mortais que se inter-relacionam não mais dentro de esquemas culturais grupais fechados (que sustentavam a ética solidária no passado), mas por meio de gigantescas redes tecnológicas e comerciais impessoais.

Um comentário:

dalbertsaas disse...

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