Entrevista: Caetano Veloso

O pensamento na canção
      
Com disco novo na praça, Caetano Veloso desmente o fim da canção, fala de política, filosofia e afirma que o Brasil desenha mesmo o futuro do mundo
   
Francisco Bosco e Eduardo Socha
      
Para Caetano, não há equívoco: o Brasil é "algo que desenha mesmo o futuro do mundo". Que essa constatação não se torne, porém, motivo exclusivo de entojo nem de euforia. Podemos sim esbravejar contra nosso circo de mazelas políticas, manter a atitude melancólica e crítica diante da "brasilianização do mundo", e ao mesmo tempo conviver com o regozijo de nossas conquistas e transformações nas últimas décadas. A ambiguidade que domina essa postura parece ser o motor fundamental de uma esperança (por mais residual que seja) calcada na lucidez e na responsabilidade de uma crítica propositiva, que não teme um certo messianismo em suas intenções: "Eu não sou religioso. Mas desejo mudanças do tamanho de milagres. Isso não me parece necessariamente irrealista", diz Caetano ao comentar seu interesse pelas teses de Roberto Mangabeira Unger.
        
Mas é dentro da canção popular - forma artística tão "velha como a humanidade" - que Caetano pretende dar o recado. Mantendo a coerência de seu permanente "nado contra a maré", de sua revolta sutil contra o estabelecido impulsionada a partir do próprio estabelecido (incluindo até mesmo aquele da intelligentsia nacional que continuamente lhe cobra coerência), o novo disco de Caetano, zii e zie, parece confirmar sua aspiração a uma coexistência de gêneros, à pluralidade cultural e à reinterpretação de diferentes tradições da canção popular, o que fica implícito já no subtítulo " transambas". Pois se, como resumiu o professor e crítico Celso Favaretto (em entrevista dada à Cult há alguns anos), "Caetano Veloso é o pensamento na canção", isso tem a ver com o fato de que sua música aponta para a necessidade de uma contínua reflexão formal sobre si mesma. Nesse processo autorreferencial, a música de Caetano consolida, por fim, um gesto artístico e crítico que transborda os limites da própria canção.
    
CULT - Em seu blog, você se mostra encantado pela influência de São Paulo e procura até mesmo esterilizar todo juízo de valor relacionado à força dessa influência, quando coloca lado a lado o Museu da Língua Portuguesa, a Sala São Paulo, a Daslu e o restaurante Fasano. Por que São Paulo não aparece em suas novas canções?
        
Caetano - Porque moro no Rio e passei todo o ano de 2008 no Rio, construindo o repertório do novo disco. É um disco carioca de nascença e de formação. Fala de lugares e pessoas do Rio. Sempre tenho saudades de São Paulo. E me orgulho muito de ver a força da cidade se afirmando cada vez mais. Você está certo em notar que é significativo que o Fasano e a Daslu apareçam ao lado do Museu da Língua Portuguesa e da Osesp. Várias pessoas no blog protestaram, como se eu tivesse dito uma blasfêmia. Mas o momento de percepção da força não é o momento do julgamento moral ou político. A visão que inclui o Fasano é da mesma natureza da visão que surge em "Sampa". Acho tolice pensar que maculei meu texto sobre São Paulo por incluir conseguimentos empresariais marcantes, mesmo que envolvam denunciadas ilegalidades. Desejo é passar mais tempo em São Paulo e, mesmo sem isso, escrever músicas em que coisas e climas da cidade apareçam.
       
CULT - Há muito afeto dedicado ao Rio nas letras e na ambientação sonora deste último disco. Por outro lado, comparado àquilo que você fala de São Paulo, tem-se a impressão de que o Rio está passando por um grande deficit de autoestima. É só impressão?
        
Caetano - Não é só impressão. Embora eu preferisse não usar aqui a expressão "deficit de autoestima". O Rio passa por longa ressaca da perda do status de capital e enfrenta gradativa relativização do status de centro cultural do país. Baianos entendem muito disso. Mas a autoestima arraigada na formação dos cariocas não se desfaz facilmente. Ela se conflitua, perde o relaxamento, mas estamos longe de poder falar em deficit.
     
CULT - Um dos filósofos mais debatidos no mundo hoje é Slavoj Zizek, a respeito do qual você disse, em seu blog: "não penso como Zizek mesmo!". Você poderia explicar em que consiste essa divergência exclamativa?
       
Caetano - Talvez a exclamação se devesse ao contexto da discussão daquele momento. Zizek é pop. Ele também é um intelecto superexcitado e tem erudição em várias áreas. Ampara-se em Hegel e Lacan para louvar Matrix, filme que, para mim, é um abacaxi de caroço. Ele gosta desses esquemas que dizem que somos sempre manipulados. Quanto mais claro pensamos, mais presos estamos a ideologias que camuflam interesses. Zizek tem o charme de falar no que a esquerda em geral evita mencionar: ele prefere ter algo positivo a dizer sobre as paradas fascistas da Coreia do Norte do que fingir que não as vê. Eu li Bem vindo ao deserto do real, um livro curto, e In defense of lost causes, um grosso volume. Ele convoca Robespierre, Lênin e Mao e exalta a revolução violenta. No fim, ele elege a causa ecológica como a escolha certa da esquerda para exercer o terror.
          
Eu tinha lido um artigo de Nelson Ascher na Folha predizendo isso. Na altura, achei o artigo de Ascher reacionário e algo simplista. Ao ler a conclusão de In defense of lost causes, achei que Ascher tinha razão. Para Zizek, toda crítica à liberdade de expressão nos países comunistas é mera tramoia liberal burguesa. Além disso, ele grila com o café descafeinado. Qual o problema? Café não é cafeína. Nesse caso, ele faz uso indevido das palavras. Bem, além desses dois livros, li artigos esparsos e vi dois documentários americanos sobre ele (lá nos States, passa no cinema e tudo: ele é uma estrela). Num, segue-se uma turnê de palestras. No outro, vê-se Zizek comentando filmes. Assisti à palestra dele na UFRJ. Ele é um cara enérgico, engraçado, sua muito e pronuncia todas as letras das palavras inglesas - com a adição de um cicio. Resulta simpático. Achei irresponsável ele dizer aquelas coisas a um bando de jovens brasileiros. Mas acho que a exclamação no meu comentário se deve a ele ter falado mal do Carnaval.

CULT - Você parece manter uma relação de amor e ódio com a USP, reconhecendo a importância política (incluindo aí FH e Lula) mas tratando o pensamento uspiano como aquele que queria se livrar do Brasil. Existe ainda função política ou "civilizacional" da universidade?
            
Caetano - Percebi cedo em São Paulo as oscilações entre querer livrar-se do Brasil, querer salvá-lo ou querer alcançá-lo em sua brasilidade. Muitas vezes a inveja, o desprezo e a condescendência se mesclam numa mesma pessoa. Não acho que a USP seja exemplo do desejo de se livrar do Brasil. Não foi o que eu escrevi no blog. Todas as nuances dessa particularidade paulista se encontram na USP (e a particularidade descrita não representa o todo da relação de São Paulo com o resto do país). Mas a "brasilificação do mundo" não significa a mesma coisa para José Miguel Wisnik e para Paulo Arantes. Oswald de Andrade e Haroldo de Campos não significam a mesma coisa para Roberto Schwartz e para Leyla Perrone-Moisés. Se lêssemos a Folha de S. Paulo entre os anos 1980 e 90, sentiríamos que a USP dominava a imprensa, era seu núcleo crítico. Ainda hoje o adornianismo impera até em cadernos de rock'n'roll para adolescentes. O que é a ironia das ironias.
Assim, os neoconservadores (com todas as grossuras que lhes são características) brilham como um grupo contrastante em ambiente dominado. Não nos enganemos: não estamos falando da USP, mas de uma certa esquerda desenvolvida na USP. Pois há conservadores na USP, inclusive convidados a preencherem as janelas de direita que os jornais descobriram que precisavam abrir. A reação é mais geral: é contra a hegemonia da esquerda. Natural que, sobretudo em São Paulo, algum jornalista se anime a falar em "esquerdopatas da USP". Eu acho esse tom cafajeste sem graça porque é superficial. Não apenas esse período FH-Lula não seria possível sem a esquerda uspiana:  a universidade tem tido e ainda terá grande papel a desempenhar no nosso amadurecimento político e civilizacional.
       
CULT - Mas existe motivo para a antipatia?
Caetano -
A razão de minha birra com o que chamo de USP está descrita pelo próprio Fernando Henrique na conversa com Mário Soares [ ex-primeiro-ministro de Portugal]: FH conta que, como sociólogo, ele tinha se oposto a Gilberto Freyre, mas que o exercício da presidência o tinha levado a rever seu julgamento. Como eu gosto de Gilberto Freyre sobretudo por suas consequências políticas (as consequências históricas do mito luso-tropicalista se tornaram mais palpáveis a FH quando ele teve de enfrentar o Brasil real), considero a crítica que o ex-presidente sustentava antes aquém da intuição mais lúcida do significado da experiência brasileira. E toda teimosia em manter os termos dessa crítica hoje me parece caricatural. FH deu uma desmunhecada quando se abriu vaidosa e descuidadamente para João Moreira Salles na revista Piauí. Lula em geral está além, e não aquém, da intuição luso-tropicalista. É um presidente que soa sempre eufórico e deslumbrado. Mas há algo real no móvel do deslumbramento de Lula. A USP é top de linha na vida acadêmica brasileira. Ainda tem muito a dar. Mas a vida acadêmica brasileira terá de mudar muito - e espero que isso venha como consequência de alguma inspirada revolução no ensino básico. Mas entenda que eu próprio não sou luso-tropicalista: a escolha da anedota de FH versus Freyre foi apenas paradigmática.
      
CULT - O filósofo Paulo Arantes fala da tendência sociológica que vê hoje a "brasilianização do mundo", ou seja, a exportação do nosso modelo social de favelização, precarização do trabalho, distanciamento maior entre centro e periferia e também do nosso jeitinho para negociar com a norma. Para essa tendência, o Brasil virou o país do futuro, mas de um futuro nada romântico. Em "Falso Leblon", por outro lado, você pergunta melancolicamente "o que faremos do Rio quando, enriquecendo, passarmos a dar as cartas, as coordenadas de um mundo melhor". Que mundo seria esse, inspirado pelo Brasil?
       
Caetano - O Brasil não corresponde, quando o olho com lucidez, à visão que Paulo Arantes tem dele. No início do século 20, você lê a comparação feita por Lima Barreto entre o Rio e Buenos Aires. Antes disso, você lê em toda parte que as universidades e a imprensa chegaram aos países hispano-americanos séculos antes de chegarem ao Brasil. No entanto, hoje eu tenho às vezes de ser condescendente com argentinos que sentem despeito da arrancada brasileira. E Machado e Euclides chegaram aonde chegaram. E Guimarães Rosa. E João Gilberto, Jobim, Niemeyer, Pelé, Chico Buarque. Partimos de um país selvagem, inculto, de cidades sujas, cheias de negros ex-escravos e mestiços desrespeitados. As mudanças que tenho visto desde a minha adolescência são muito rápidas e muito grandes para que os mais letrados entre nós só repitam que não andamos. É loucura.
      
Mas sem crítica e sem lamentos tampouco se anda. Então está bem. Mas alguém precisa alertar para os conseguimentos, senão não há responsabilidade. O que se ouve em "Falso Leblon" é algo que pode se dar ao luxo de ser dito em tom melancólico: não precisa de euforia. Um solitário entristecido pela visão de uma bela jovem degradada pode meditar sobre o possível enriquecimento e fortalecimento do país onde nasceu e vive. Jorge Mautner diz que "ou o mundo se brasilifica ou vira nazista". Eu sou diferente de Mautner, mas também o amo muito por dizer isso. Nosso "jeitinho para negociar com a norma" talvez contenha mais elementos do que sonha a sociologia de Arantes. Nenhum país real produz um futuro real que seja o que hoje podemos chamar de "romântico". Se o futuro que o Brasil esboça é desde já criticável, é sinal de que já estamos longe de poder simplesmente rir do livro de Stefan Zweig. E que o Brasil já é visto como algo que desenha mesmo o futuro do mundo.
Eu não estou tão convencido, apesar de Arantes e seus colegas anglófonos catastróficos. Há europeus continentais (é o caso de um italiano que escreveu "Hedonismo e medo") que veem o Brasil como modelo para o futuro do mundo - para o bem e para o mal. Mais para o bem, já que o "jeitinho para negociar com a norma" é visto por eles como um modo interessante (e misteriosamente promissor) de metabolizar os males sociais. 

Feuerbach e a Nova Filosofia: O homem reconhecido como ser sensível e intramundano

Wagner Santos
wagnercs@hotmail.fr
Introdução
Há de se convir que tomar apenas um momento da obra de um certo autor é também correr o risco de ofuscar todo o seu projeto, pois a empolgação com um ponto abordado pode, facilmente, conduzir o pesquisador à passar ao largo do alvo central daquele que escreveu a obra. Essa situação, infelizmente, repete-se com frequência quando se diz respeito a Ludwig Feuerbach(1804-1872). Pouco se diz para além da crítica da religião e das famosas Teses ad Feuerbach marxianas1. Pelo contrário, após a leitura de obras de especialistas como, por exemplo, Marx Wartofsky, a conclusão natural a que se chega é que, quando se trata de Feuerbach, por não ter conteúdo relevante além da hermenêutica da religião, já realizada em A Essência do Cristianismo, tudo depois é filosoficamente desinteressante2. Essa postura de recortar certo período da elaboração filosófica de Feuerbach e, simultaneamente, desconsiderar e desprezar o excedente, além de um arriscado “tomar parte como o todo”, obstrui a compreensão da filosofia feuerbachiana como um percurso traçado, como um esforço direcionado, como a pretendida necessária reforma da filosofia3. Reforma essa que, como afirma o nosso autor, “só pode ser a necessária, a verdadeira, a que corresponde à necessidade da época, da humanidade”4. Esse Lutero5 da filosofia, embora mostre-se negativo na crítica à religião e na crítica à filosofia, possui uma expressão positiva quando, de sua filosofia, o homem “não surge como um agregado contingente de naturezas diferentes”6, mas como ser integral (ganzes Wesen) e intramundano. E , segundo ele, a medida que for reformada, a Nova Filosofia (neue Philosophie) irá “reconduzir a [antiga] filosofia do reino das 'almas penadas' para o reino das almas encarnadas, das almas vivas”7.

Nova Filosofia: Projeto para uma filosofia reformada e do futuro(no presente)
O que Feuerbach pretende com a Reforma da Filosofia? Restabelecer a unidade que ele considera fundamental e perdida, “a unidade da filosofia e da vida ou da teoria e da prática”8.
Ora, seja no crítico da religião ou no crítico da filosofia tradicional, há , fundamentalmente, a oposição a toda e qualquer descaracterização dos homens reais e do meio em que estes estão inseridos. Ou seja, Feuerbach quer uma filosofia que apreenda o homem efetivo, real, genuíno, de carne e osso, e em um mundo efetivo, não-transfigurado. Nada de uma filosofia que trate de seres inumanos, despidos de seus atributos reais e em um mundo inventado, que lhe seja estranho.
E o que diz Feuerbach da filosofia tradicional? Ele a considera - junto à sua irmã, a religião cristã -, não só ineficiente, como prejudicial para a humanidade. Porque em ambas está presente -em germe- o movimento de exacerbada afirmação da individualidade, que implica na disseminação da autossuficiência humana, e na criação de um mundo “mais verdadeiro”, que implica na negação do mundo presente e na desnaturalização do homem9. Tais movimentos, portanto, precisam ser negados desde o seu fundamento, toda e qualquer referência que tente substituir o homem vivo, existente. Desse modo, há aqui um acerto de contas, onde, para que haja a filosofia nova, a tradicional deve ser abandona através de uma substituição de referencial. Isso significa abandonar o refencial das “nuvens” em prol da vida na terra. Em outras palavras, o outro plano precisa ser abandonado em prol desse, onde os homens concretamente vivem. Nessa reforma, “a neue Philosophie é necessariamente negação do saber já constituído e consciência assumida da impossibilidade de trilhar os velhos caminhos, na mesma medida em que é afirmação e valorização da realidade recusada pela filosofia passada”10. Ou seja, a Nova Filosofia surge como consideração das determinações físicas da existência(Dasein), das quais a filosofia tradicional apenas abstraiu e tornou em conhecimento incondicional, imutável, eterno e universal11 e, assim, perdeu o seu objeto(Gegenstand), o conteúdo real. Portanto a Nova Filosofia tem a sua distinção da tradicional pelo seu princípio. Como bem expõe Feuerbach:
A nova filosofia tem, pois, como seu princípio de conhecimento, como seu sujeito, não o eu, não o espírito absoluto, isto é, abstrato, numa palavra, não a razão por si só, mas o ser real e total do homem. A realidade, o sujeito da razão é apenas o homem. É o homem que pensa, e não o eu, não a razão. A nova filosofia não se apoia, portanto, na divindade, isto é, na verdade da razão por si só, apoia-se na divindade, na verdade do homem total. Ou: apoia-se, sem dúvida, também na razão, mas na razão cuja essência é o ser humano; por conseguinte, não numa razão sem ser, sem cor e sem nome, mas na razão impregnada com o sangue do homem. (FEUERBACH, 1998b, §50)
Agora, onde Feuerbach localiza a conexão entre pensamento e ser, espírito e mundo, eu e outro? Na Sinnlichkeit(sensibilidade12) . Explica então Feuerbach:
Eu sou eu — para mim — e ao mesmo tempo tu — para outrem. Mas só o sou enquanto ser sensível. O entendimento abstrato, porém, isola este ser-para-si como substância, átomo, eu, Deus — por conseguinte, só pode conectar arbitrariamente o ser para outro; com efeito, a necessidade de tal conexão é apenas a sensibilidade, da qual porém ele abstrai. O que eu penso sem a sensibilidade penso-o sem e fora de toda a conexão. (FEUERBACH, 1998b, §32)
Não é necessário inventar uma conexão quando ela já existe e esta é a Sinnlichkeit. E por ela, não só se dá a conexão entre o homem e o mundo efetivo, como “é ainda a sensibilidade[Sinnlichkeit], porque se manifesta como receptividade e carência, que pode dar origem a uma intersubjetividade como interpessoalidade concreta exercida.”13.
Feuerbach à medida que apreende o homem como ser sensível(sinnliches Sein) e reconhece como fundamental para o homem a sua percepção sensível (sinnliche Wahrnehmung), ele consegue “fundar uma visão unitária na qual o homem não surge como um agregado contingente de naturezas diferentes mas como um complexo de dimensões sensíveis diferenciadas.”(Idem). Isso é o afastamento de uma perspectiva dicotômica/dualista14 forjada, embora tenha se tornado tradicional, e uma aproximação da verdadeira harmonia que há na vida humana.

Conclusão
O projeto feuerbachiano de instauração da Nova Filosofia, não se limita a ser uma crítica da tradição e terapia para o tempo presente, mas se desdobra para o futuro quando se torna incentivo ao desenvolvimento das potencialidades humanas. E Feuerbach faz isso retratando os seres humanos como de fato são: seres sensíveis e intramundanos. Nesse processo articula-se o reconhecimento daquilo que “naturalmente” antecede e estrutura toda e qualquer atividade humana: a Sinnlichkeit. Através desse resgate de cunho filosófico-antropológico, Feuerbach traz à luz a integralidade do gênero(Gattungswesen) humano e do oceano do mundo15, em que este está encarnado. As implicações da filosofia feuerbachiana fornecem princípios para reflexões que ultrapassam a própria filosofia, passando pelos campos da pedagogia, direito, ética, política e psicologia ao reformular o fundamento desses campos: o homem(der Mensch).



REFERÊNCIAS

FEUERBACH, Ludwig. Necessidade de uma Reforma da Filosofia In Princípios da Filosofia do Futuro e: outros escritos trad.Artur Morão. Lisboa, Edições 70, 1988.
_______________________. Princípios da Filosofia do Futuro In Princípios da Filosofia do Futuro e: outros escritos trad.Artur Morão. Lisboa, Edições 70, 1988.
HARVEY, Van A. Ludwig Andreas Feuerbach. Acesso em: 26 de Maio 2013].
SERRÃO, Adriana Veríssimo. A Humanidade da Razão: Ludwig Feuerbach e o Projecto de uma Antropologia Integral. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.




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1 Isso quando a filosofia de Feuerbach não é reduzida a um ínfimo momento no desenvolvimento da filosofia de Marx, como algo carente de originalidade que se interpõe entre as construções do grande Hegel e as descontruções do célebre Marx.

2 HARVEY, Van A. Ludwig Andreas Feuerbach. . Acesso em: 26 de maio 2013.

3 Um dos textos redigidos após a Essência do Cristianismo, usado aqui inclusive, foi intitulado pelo próprio Feuerbach como Necessidade de uma Reforma na Filosofia. Outro se chama Teses Provisórias para a Reforma da Filosofia. A começar pelo título, como não associá-lo ao reformador protestante do cristianismo Martinho Lutero? Ao menos pela ousadia deste e reviravolta causada, a associação não é apenas bem-vinda, como parece proposital.
4 FEUERBACH, Ludwig. Necessidade de uma Reforma da Filosofia In Princípios da Filosofia do Futuro e: outros escritos. Lisboa: Edições 70, 1988a, Introdução.
5 Cf. nota 2.
6 SERRÃO, Adriana V. A Humanidade da Razão: Ludwig Feuerbach e o Projecto de uma Antropologia Integral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. 390 p.
7 FEUERBACH, Ludwig. Princípios da Filosofia do Futuro In Princípios da Filosofia do Futuro e: outros escritos. Lisboa: Edições 70, 1988b, Notas.
8 SERRÃO, 1999, p. 90.
9 Sobre o que representa para Feuerbach a instauração da sua Nova Filosofia, esclarece Adriana Veríssimo Serrão: “O primado da felicidade sensível sobre a liberdade reflexiva e da cooperação convivente sobre a autonomia solitária abre-se à ideia de uma comunidade ética, síntese de felicidade pessoal, de solidariedade e de responsabilidade moral.” (SERRÃO, 1999, p. 390)
10 Idem, op. cit. , p. 93.
11 “Deus é o ser incondicionado, universal(...), imutável, eterno ou intemporal. Mas a incondicionalidade, a imutabilidade, a eternidade e universalidade são também, segundo o próprio juízo da teologia metafísica, propriedades das verdades ou leis racionais, portanto propriedades da própria razão.” (FEUERBACH, 1998a, §6)

12 Não há na língua portuguesa uma expressão correspondente para Sinnlichkeit. Esse expressão alemã não significa apenas a capacidade sensível do ser humano(âmbito antropológico), como engloba também o fato das coisas poderem ser sentidas(âmbito estético). A expressão portuguesa sensibilidade dá conta do primeiro significado, todavia não do segundo. Diante disso, insisto em usar a expressão alemã.

13 SERRÃO, op. cit., p. 390.

14 P. ex.: res congitans vrs. res extensa, paixão vrs. razão, ser vrs. pensar, espírito vrs. natureza.


15 Feuerbach cunha o seguinte imperativo categórico: “sê apenas um homem que pensa; não penses como pensador, isto é, numa faculdade arrancada à totalidade do ser humano real e para si isolada; pensa como ser vivo e real, exposto as vagas vivificantes e refrescantes do oceano do mundo;”(FEUERBACH, 1998b, §51) E alguns parágrafos depois ele dirá: “O filósofo absoluto, em analogia com o l‘état c’est moi do monarca absoluto e l‘être c‘est moi do Deus absoluto, dizia ou, pelo menos, pensava de si, enquanto pensador naturalmente, não como homem: la vérité c‘est moi. O filósofo humano, pelo contrário, diz: no próprio pensamento, também enquanto filósofo, sou um homem com os homens.”(FEUERBACH, 1998b, §61)
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