(O vinho está nas palavras - e na sensibilidade)
(De: A Arte de Degustar. M. Copello).
Para ser um bom degustador é preciso imaginação e memória. Quem, proustianamente, não tem algum tipo de memória olfativa?
“A arte de degustar mistura técnica e poesia. (...).Você se lembra do último vinho que provou? Talvez nem o sabor nem o aroma tenham permanecido em sua memória. E talvez você nem consiga descrever as sensações produzidas pela bebida. Reside justamente aí a diferença entre beber e degustar. Beber é simples: basta transferir o líquido da taça para a boca e dali direto ao estômago. Na degustação, esse caminho passa pelo cérebro e pelo coração. Exige concentração, técnica, experiência, imaginação, memória e, sobretudo, paixão.”
“Degustar é sentir o vinho e interpretá-lo. Para isso é preciso educar as emoções, aprendendo a traduzi-las e descrevê-las. Por outro lado, se as sensações são subjetivas, a percepção deve ser[, digamos,] objetiva. E o que é colocar emoções em palavras? Poesia. Degustar é escrever poesia.
“Então é preciso ser poeta para apreciar a bebida de Dioniso, de Baco? Não. Eu diria que o próprio vinho o tornará um. Transformar-se num virtuose dessa arte, porém, não é fácil. Amo as palavras, mas tenho dificuldade de encontrar a melhor para exprimir as sensações que estou experimentando. Como disse Ferreira Gullar, ‘escrever poesia é tocar o inaudito para torná-lo dito. Ou seja, é fracassar gloriosamente’. Para aproximar-se desse ideal, é fundamental um vocabulário amplo e preciso e, assim, nomear corretamente as sensações. Grandes poetas atingem esse objetivo ao transformar em versos os sentimentos. Não por acaso, o vinho já inspirou muitos artistas.
“Para quem gosta de pintura, não é difícil diferenciar Renoir de Picasso. Da mesma forma, vai ficando óbvia a diferença entre um Cabernet Sauvignon e um Pinot Noir. Dentre tantos aromas de um vinho, depois de um aprendizado fica fácil reconhecer aromas de carvalho ou de uma fruta.
“Degustar é apresentar visão, olfato, tato e paladar, mais ou menos nessa ordem. Vejamos como o vinho pode ser descoberto pelos sentidos humanos:
“Olhar - A cor do vinho nos diz muito sobre ele e pode ser belíssima. Normalmente, quanto mais escura a cor, mais encorpado (e mais tânico nos tintos). Quanto mais viva, mais ácido e jovem ele é. Quanto mais esmaecida, mais velho e menos ácido. Nos tintos, quanto mais violeta ou rubi, mais jovem (pode indicar que ainda está inadequado para beber). Quanto mais apagada e próxima ao tijolo ou à laranja, mais envelhecido. Os brancos jovens têm tonalidade tendendo ao verde que, com o tempo, passa a amarelo e ao dourado. (...)
“Olfato - Aqui reside o grande charme do vinho. Gire-o na taça, libere a imaginação e inspire. Os aromas evoluirão à medida que você o aprecia, pois as substâncias aromáticas se volatilizam em tempos diferentes. Algumas rapidamente, outras demoram mais. É interessante guardar um pouco de bebida na taça por algumas horas para acompanhar a evolução dos aromas. Procure associar os aromas a coisas que você conhece (frutas, flores, especiarias, minerais) e ficará muito mais fácil reconhecê-los e recordá-los. (...)
“Paladar e tato - Beber é o último estágio. Aqui se irá confirmar tudo que já se sentiu. Na realidade, a maioria do que achamos ser paladar, na realidade, é olfato. Enquanto o número de aromas é virtualmente infinito, o paladar proporciona quatro sensações: Doçura, Acidez, Salgado, Amargor. (...)
“Mas na boca não se percebe só o paladar, sente-se também tato e aromas (pela comunicação interna da boca com o nariz). Deve-se deixar o vinho algum tempo na boca, mastigando-o e sentindo-o em toda cavidade bucal.
“No tato nota-se a consistência do vinho (sua textura e corpo), a aspereza, a fluidez, a pungência (alguns mais tânicos ou alcoólicos podem dar uma leve impressão de pressão ou de dor na língua), a temperatura e a adstringência ou tanicidade (produzida pelo travo notado nas laterais da língua, como uma cica que seca a boca).
“Assim, a autêntica técnica de degustação consiste em proceder toda essa análise de maneira natural e contínua, de modo a não comprometer o principal: o prazer. O que torna o vinho tão especial é o equilíbrio entre razão e emoção que inspira em seu bebedor.”
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