ANPOF 2010: Rousseau e o benefício da dúvida




Em algumas passagens, como na primeira versão do Emílio, encontramos em Rousseau uma crítica direta ao ceticismo (que ele acusa de dogmático). Na Carta ao Senhor de Voltaire, ele afirma com convicção que o “estado de dúvida é demasiado violento” para sua alma; no Emílio, diz preferir “enganar-se do que não acreditar em nada”. Mas atenção: tais afirmativas podem conduzir a uma má compreensão, se não levarmos em consideração a peculiar antropologia rousseauniana. De fato, muitos elementos comumente outorgados ao ceticismo são rechaçados pelo naturalismo de Rousseau, pois, para ele, o homem é ser de crença e não de dúvida. Contudo, é possível encontrar em diversas passagens da sua obra, elementos que indicam que ele não deixa de fazer uso do ceticismo para colocar na berlinda preceitos e desconfiar da capacidade do conhecimento humano. Rousseau está sempre atento, procurando distanciar-se da atitude dogmática, encontrando, como saída diante de certas dúvidas e incertezas, a “suspensão do julgamento”, possibilitando uma maior abertura à diversidade das concepções e das formulações. Ele, portanto, recusa o dogmatismo, seja filosófico, político ou religioso. A sua acidez na crítica aos céticos se dá, sobretudo, quando estes assumem atitudes dogmáticas, como a dos ateus, por exemplo. Da perspectiva da trajetória realizada por Rousseau, na busca pelos elementos essenciais que lhe permitam admitir a existência do eu, do mundo e de Deus, ele parece marchar para uma recusa dos argumentos do ceticismo. Mas, quando ele abandona o campo das verdades existenciais, criticando a metafísica por razões de moral e de fé, a dúvida renasce. Para muitos comentadores, a obra de Rousseau não teria importância para a compreensão do ceticismo moderno. Neste trabalho, sugerimos que é possível identificar elementos céticos característicos em Rousseau – tanto em relação a influências céticas no seu pensamento, quanto em relação a argumentos céticos utilizados pelo genebrino. O ponto de apoio do nosso argumento é que, de certa maneira, Rousseau não escapa do ceticismo; às vezes, até recorre a ele, mesmo recusando conclusões mais radicais e um dogmatismo possível, em nome do bom senso e do sentimento interior. Com o ceticismo, ele deixa em aberto os limites do conhecimento humano e destaca “a necessidade de se posicionar apesar de tudo em um mundo incerto, a partir de princípios aos quais se pode conceder somente verossimilhança e não certeza”. Muitos adversários, filósofos ateus e filósofos ligados à tradição religiosa, acusaram-no deste traço cético: eles preferem chamar de fraqueza ou dubiedade uma das mais importantes características de Jean-Jacques, que é o espírito aberto e antidogmático. Eles não admitem que Rousseau enxerga além, e denuncia que qualquer dogmatismo, seja ele ateu, filosófico, político, piedoso ou apologético, é malévolo, e a história está aí para confirmá-lo.

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