Para alguns usos da palavra “verdade”, é muito provável, como reconheceu Perelman, que não seja de modo algum necessário utilizar a noção de argumentação. A noção de evidência, seja lógica ou empírica, é caso par excellence do uso da palavra “verdade” no qual a argumentação não poderia contribuir senão para lançar uma desconfiança desnecessária sobre o que já foi aceito de um modo definitivo. Entretanto, o que comumente afirmamos como verdadeiro é algo que tem muito a ver com os valores - com o modo como colorimos o que acreditamos e aspiramos ser crível - e isso aproxima muito o uso da palavra “verdade” a contextos essencialmente argumentativos. Mesmo admitindo que exista no uso que o senso comum faz da palavra “verdade” um certo aspecto correspondencionista, não é difícil também constatar que os valores comparecem ampliando as funções e os usos da linguagem. Pretendendo-se dependente dos fatos e independente dos valores, essa abordagem da verdade, que se ajusta perfeitamente ao nosso senso comum de realidade, não elimina o fato de que nossas crenças sobre a realidade ou foram suscitadas a partir de procedimentos retóricos ou, uma vez distante de condições de assertibilidade ideais, só poderiam ser justificadas para nós mesmos e para os outros por procedimentos argumentativos, válidos para uma determinada comunidade de falantes e em determinadas circunstâncias comuns. Esta comunidade, em certos casos, poderá ser a própria humanidade. Esse sentido do que é pertencente à noção comum de verdade como decisão justificável, aproxima-se daquilo que os céticos pirrônicos contemporâneos, mais próximos de Sexto Empírico, definem como senso-comum ou visão comum do mundo. São crenças que todos os homens e mulheres, em situações corriqueiras, possuem e somente os filósofos delas se afastam quando especulam e dogmatizam sobre as razões necessárias. Este tipo de crença comum, na realidade, não põe à prova o que considera evidente e dispensa também os pressupostos metafísicos que só se explicitariam, em última instância, por meio de uma argumentação sofisticada e, por isso mesmo, distante do interesse de homens e mulheres comuns. Todavia, o que é comum muitas vezes não é evidente (embora a evidência deva parecer comum), mas é aquilo que parece e do qual podemos discordar ou concordar tanto com as pessoas ordinárias como com os filósofos que as contestam. Como nos ensina Porchat, baseado nas Hipotiposes Pirronianas: um dos tropos fundamentais do ceticismo é o da discordância (diaphonia), que nos exibe o insanável conflito e discrepância de opiniões a respeito de todos os assuntos, tanto entre as pessoas ordinárias quanto entre os filósofos. Portanto, nesta comunicação pretendemos apontar algo na noção de Perelman da verdade que o aproxima muito da atitude pirrônica de Porchat. Ambos acolhem esta dimensão múltipla e dinâmica que é própria do uso comum da linguagem no processo argumentativo.
ANPOF 2010: Perelman e Porchat: verdade, ceticismo e crença comum
Para alguns usos da palavra “verdade”, é muito provável, como reconheceu Perelman, que não seja de modo algum necessário utilizar a noção de argumentação. A noção de evidência, seja lógica ou empírica, é caso par excellence do uso da palavra “verdade” no qual a argumentação não poderia contribuir senão para lançar uma desconfiança desnecessária sobre o que já foi aceito de um modo definitivo. Entretanto, o que comumente afirmamos como verdadeiro é algo que tem muito a ver com os valores - com o modo como colorimos o que acreditamos e aspiramos ser crível - e isso aproxima muito o uso da palavra “verdade” a contextos essencialmente argumentativos. Mesmo admitindo que exista no uso que o senso comum faz da palavra “verdade” um certo aspecto correspondencionista, não é difícil também constatar que os valores comparecem ampliando as funções e os usos da linguagem. Pretendendo-se dependente dos fatos e independente dos valores, essa abordagem da verdade, que se ajusta perfeitamente ao nosso senso comum de realidade, não elimina o fato de que nossas crenças sobre a realidade ou foram suscitadas a partir de procedimentos retóricos ou, uma vez distante de condições de assertibilidade ideais, só poderiam ser justificadas para nós mesmos e para os outros por procedimentos argumentativos, válidos para uma determinada comunidade de falantes e em determinadas circunstâncias comuns. Esta comunidade, em certos casos, poderá ser a própria humanidade. Esse sentido do que é pertencente à noção comum de verdade como decisão justificável, aproxima-se daquilo que os céticos pirrônicos contemporâneos, mais próximos de Sexto Empírico, definem como senso-comum ou visão comum do mundo. São crenças que todos os homens e mulheres, em situações corriqueiras, possuem e somente os filósofos delas se afastam quando especulam e dogmatizam sobre as razões necessárias. Este tipo de crença comum, na realidade, não põe à prova o que considera evidente e dispensa também os pressupostos metafísicos que só se explicitariam, em última instância, por meio de uma argumentação sofisticada e, por isso mesmo, distante do interesse de homens e mulheres comuns. Todavia, o que é comum muitas vezes não é evidente (embora a evidência deva parecer comum), mas é aquilo que parece e do qual podemos discordar ou concordar tanto com as pessoas ordinárias como com os filósofos que as contestam. Como nos ensina Porchat, baseado nas Hipotiposes Pirronianas: um dos tropos fundamentais do ceticismo é o da discordância (diaphonia), que nos exibe o insanável conflito e discrepância de opiniões a respeito de todos os assuntos, tanto entre as pessoas ordinárias quanto entre os filósofos. Portanto, nesta comunicação pretendemos apontar algo na noção de Perelman da verdade que o aproxima muito da atitude pirrônica de Porchat. Ambos acolhem esta dimensão múltipla e dinâmica que é própria do uso comum da linguagem no processo argumentativo.
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