Tiago Medeiros
Na última
segunda-feira (16/07), o filósofo brasileiro Roberto Mangabeira Unger foi o convidado
entrevistado do programa Roda Viva da TVE. Professor de Harvard, autor de
diversos livros (em áreas que vão da economia à filosofia), ex-Ministro de Estado
e militante político há décadas, o filósofo respondeu a questões sobre assuntos
diversos, dentro do universo da política no Brasil e nos EUA e de seu
pensamento teórico-prático. Destacarei abaixo algumas das respostas dadas pelo professor no programa.
Em linhas
gerais, Unger defende uma posição teórica que se centra no descongelamento das formas
de vida na cultura, pela ação política sobre o conteúdo das instituições. Entende que as
organizações e crenças que formam os indivíduos são por eles constantemente
postas em cheque no curso de suas vidas, e, portanto, que a vocação
autotransformadora dos sujeitos deve ser o leitmotiv da ação política - depositando
sobre as instituições o espírito de inovação que alterará a vida pública dos indivíduos e garantirá oportunidades para a maior parte das pessoas. Essa linha de
pensamento, que o autor garante ser de esquerda (embora não marxista), é pouco
compreendida entre muitos intelectuais e jornalistas (sobretudo, no Brasil,
onde seu sotaque estrangeirado pesa muito mais do que a originalidade de suas ideias), o que
justifica o perfil das perguntas feitas no debate.
Sobre a
política americana, Unger acredita que
o presidente Obama deve ser derrotado nas próximas eleições sob pena de não se
oportunizar uma reestruturação do Partido Democrata. Obama, a
seu ver, não conduziu o país corretamente em face das transformações que a crise econômica despontou, deixando de alargar as oportunidades para a maioria trabalhadora. Sua gestão, pensa Unger - que, como todos sabem, já foi professor do atual presidente americano (numa disciplina de título Democracy realized) - oscilou no interior de iniciativas que nada difere das do partido republicano.
No Brasil, Unger entende que não houve, ainda, a definição de um projeto que
reorganize o estado e as instituições. Por isso, a seu ver, é preciso um choque de novas
ideias, considerando, ademais, que maior oposição partidária do país – PT e PSDB – reside,
na verdade, na coparticipação de um mesmo ideário, cujo conteúdo é a atenuação
dos resíduos de uma economia de mercado não regulada sobre as camadas não
endinheiradas da população, por meio de políticas sociais de redistribuição
compensatória. A esse ideário partilhado por tucanos e petistas, o autor denomina
Suécia Tropical.
Tocando no
tema de sua participação como Ministro de Assuntos Estratégicos, apresentou a
construção de seu projeto para as três regiões não contempladas historicamente
pela união: Nordeste, Centro-Oeste e Norte, para as quais um conjunto de ações
no campo da educação e das relação entre trabalho e capital haviam sido
formuladas e boa parte executadas. A respeito do primeiro campo, defende a
substituição de um paradigma pedagógico enciclopédico para um ensino analítico
e capacitador que se aplique com vigor na escola média. Sobre o segundo campo,
Unger costuma defender para o Brasil e para o mundo uma inovação institucional
da economia de mercado que a democratize, proporcionando, conquanto, o
aprofundamento da própria democracia, através de iniciativas que canalizem a
poupança para a produção.
O autor tem
grande lucidez acerca do impacto de ideias sobre as práticas na cultura. O
modelo de pensamento que chama de social democrata, que se autoproclama
realista, e contra o qual o declara guerra, é o responsável pela ineficiência
da ação política em diversos terrenos. Unger exemplifica com a política
industrial. A ação do Estado é comumente a de promover fusões entre grandes
empresas, com o dinheiro arrecadado pelo contribuinte, sob o pretexto de
torna-las campeãs mundiais – esperando que a geração de empregos seja a
contraparte social para as massas. A implicação disso, continua o exemplo, é
que os oligopólios financiados pelo estado degolam os pequenos e médios empreendedores
cuja vocação econômica Unger qualifica por energética, para os quais uma ação
de instrumentalização do estado seria a verdadeira política industrial. Há no Brasil
uma massa de pequenos empreendedores em todas as regiões que é abafada pela
política industrial, em vez de qualificada pelo Estado. A justificativa, que
liga esse exemplo ao realismo frio do pensamento social democrata, é que no
mercado sobrevivem as grandes empresas e que, portanto, se os governos alinharem-se
às grandes corporações o benefício social e o marketing político serão
compensados.
Não só por ter
notório reconhecimento mundial Unger merece ser ouvido e lido. Sua obra é
atual, instigante, viva. Ainda que para dela discordar é fundamental que seja
percorrida com a intensidade que sua escrita (e sua fala) encarna(m). Tanto do
ponto de vista filosófico, menos explorado no programa, quanto do político, teórico-social,
jurídico e econômico, suas ideias apresentam chaves extremamente novas com as
quais diagnósticos e prognósticos podem ser feitos. Essa entrevista é um
convite ao seu pensamento.
Abaixo o link
para a entrevista completa: