Rawls: Justiça Política Democrática


Tempos atrás, considerou-se que a filosofia política estava morta. Isso em razão de sua superação pela teoria social (Marx), de um lado, e, de outro, da sua redução, no universo de língua inglesa, a um tratamento limitado, no interior do utilitarismo, ou, pior ainda, da filosofia analítica da linguagem. Neste contexto, John Rawls concebeu uma ambiciosa teoria política neo-contratualista, normativa, de talhe clássico, como uma alternativa à concepção utilitarista da política e da sociedade, retomando a tradição de Locke e Rousseau, do Contrato Social, e de Kant. Para Rawls, o contrato social deve se concentrar nas principais instituições que compõem a estrutura básica da sociedade, incluindo a proteção constitucional fundamental às liberdades política, religiosa e pessoal, além dos sistemas de organização econômica e de controle da propriedade.

Ciente das dificuldades relacionadas à noção do contrato social, que entende este como um hipotético acordo entre os indivíduos para a formação da sociedade, Rawls considerou-o mesmo assim o ponto de partida, agora, para uma “teoria da justiça”. Ele generaliza e eleva a um nível mais alto de abstração a concepção tradicional do contrato social, que é imaginado como uma situação inicial hipotética, cujo fito é levar a um consenso original concernente aos princípios de justiça, para a organização da sociedade. Tais princípios são escolhidos como numa situação em que todos estejam numa posição inicial inteiramente equitativa uns com os outros, desconhecendo cada um a posição social que ocupará na sociedade. É o que Rawls chama de Posição Original e Véu de Ignorância, respectivamente.

A partir dessa representação do pacto social, Rawls apresenta sua proposta para a organização de uma sociedade justa através da escolha dos princípios de justiça acordados na posição original. Esses princípios organizam a sociedade definindo a divisão de vantagens e encargos decorrentes da cooperação social. Rawls sugere, assim, que cada indivíduo tenha direitos e liberdades básicos, iguais para todos (princípio da liberdade), além de condições de igualdade equitativa de oportunidades (princípio da igualdade). Mas não se trata de fundá-los filosoficamente. Eles corresponderiam ao overlapping consensus (consenso sobreposto) verificado na sociedade, um consenso entre diversas concepções políticas (e religiosas e filosóficas) em relação aos princípios de justiça, o que é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade democrática.

Permanecemos Contemporâneos dos Jovens Hegelianos



Para compreender a leitura que Habermas faz da Modernidade, partiremos de uma citação do autor, do livro O discurso Filosófico da Modernidade, do capítulo III, Três perspectivas: Hegelianos de esquerda, hegelianos de direita e Nietzsche:


“Persistimos até hoje no estado de consciência que os jovens hegelianos introduziram, quando se distanciaram de Hegel e da filosofia em geral. Desde então, estão em curso aqueles gestos triunfantes de suplantação recíproca, com os quais descuidamos do fato de que permanecemos contemporâneos dos jovens hegelianos. Hegel inaugurou o discurso da modernidade; só os jovens hegelianos estabeleceram-no de maneira duradoura. A saber, eles liberaram do fardo do conceito hegeliano de razão a idéia de uma crítica criadora da modernidade, nutrindo-se do próprio espírito da modernidade."


Neste soberbo trecho, Habermas compara nosso ‘estado de consciência’ (de compreensão filosófica, ele poderia dizer) atual ao dos jovens hegelianos, nos transportando para mais de um século atrás na história da filosofia. Tal deslocamento não é injustificado, entretanto, e nem significa que, para o autor, tudo que houve dos jovens hegelianos até hoje não mereça ser considerado. O que ele propõe é revisitar o discurso da modernidade e perceber nele os diferentes caminhos da filosofia. Habermas vê três principais vertentes filosóficas presentes no discurso filosófico da modernidade, a saber: os hegelianos de esquerda, direita, e Nietzsche. Estes três partidos filosóficos, que intitulam o capítulo supracitado, são para Habermas três propostas para o discurso da modernidade a serem consideradas.

Os hegelianos de esquerda são para Habermas uma corrente que, herdando de Hegel a preocupação com a história e a inserção da filosofia em seu caráter transitório, almejava tornar a filosofia cada vez mais ligada ao momento presente e ao futuro, pretendendo libertar-se, sobretudo, da idéia hegeliana de Razão – que ratifica o presente e o real (efetivo), como necessariamente racionais –, pretendendo direcionar o potencial da razão burguesa para um pensamento comprometido com a revolução e a mudança. Os hegelianos de direita também têm por base o pensamento de Hegel, naturalmente, mas o tomavam de inteiramente forma conservadora, acreditavam que a razão tem o papel de fundamentar uma sociedade tradicional-burguesa, que para eles deveria ser mantida, produzindo assim um tipo de pensamento pouco aberto à transformação social. Nietzsche, por sua vez, é identificado por Habermas como o autor responsável por uma critica total da razão, que permitiria denunciá-la simplesmente como dominação. Essa corrente se coloca contra os outros dois partidos, que, cada um em sua medida, ainda consideravam a razão medida. Assim, o projeto nietzscheano acaba por minar as bases do discurso da modernidade e por anunciar seu fim.

Habermas, no entanto, considera que o projeto da modernidade não deve simplesmente ser abandonado, em nome de uma crítica totalizante da razão, como propunha Nietzsche, e tampouco considera interessante a posição conservadora dos hegelianos de direita. Entre essas vertentes, Habermas claramente afina-se com as perspectivas dos jovens hegelianos. Apesar de não considerar que esta última posição seja inteiramente adequada, reconhece que entre as três vertentes que se apresentaram, o projeto da modernidade crítica é aquele que, apesar dos erros, aponta para o melhor caminho a ser seguido pela filosofia.

Como os hegelianos de esquerda (ou jovens hegelianos), inclusive Marx, Habermas considera que conceito de razão moderna deve ser reformulado. Para ele, a idéia de razão deve ser revista em nome de uma forma de racionalidade dessublimada, que se resolva nas práticas comunicativas do mundo da vida, o que para ele corresponde à idéia de razão comunicativa. Para Habermas, permanecemos diante do mesmo problema abordado pelos hegelianos de esquerda. Ele pretende, portanto, continuar o projeto da modernidade a partir da alternativa posta pelos jovens hegelianos, e, a partir dela, propor novas possibilidades para o discurso filosófico da modernidade. Parece uma boa idéia.

Você está convidado a deixar seu comentário – breve ou superficial que seja – a qualquer dos textos.