Entrevista: Noam Chomsky


Entrevista concedida por Noam Chomsky a Peshawa Abdulkhaliq Muhammed para o jornal Kurdistani Nwe, em 5 de julho de 2009:

- Por que você acha que as pessoas nos EUA e mesmo em outros lugares do mundo têm sido otimistas sobre Obama e sua administração?

Chomsky: Duas razões básicas. Uma é que eles estão contentes de se livrarem do Bush. A impudente arrogância da sua administração e seu desdenhoso desafio à opinião pública mundial levou os EUA a posicionar-se no mundo dos pontos baixos da história. Quase qualquer substituição teria sido bem-vinda. A segunda razão é que Obama se apresenta como uma pessoa simpática que oferece parceria e conciliação, e como uma espécie de "tábua rasa" na qual as pessoas podem escrever suas esperanças e desejos. A questão perigosa, sempre, é o que é a substância por trás da superfície agradável? Já escrevi sobre isso em outro lugar (como outros), e não vou repetir. Em breve, ele estará chegando perto de cumprir a previsão de Condolezza Rice, de que seu governo vai estender a política externa do segundo mandato de Bush, que tomou, em relação ao primeiro, uma linha mais suave e menos conflituosa em diversos aspectos.

- Como você avalia a política dos EUA no governo Bush em relação ao Iraque, em geral, e, especificamente, contra os curdos? E como você espera que seja com Obama?

Chomsky: A administração Bush adotou uma posição relativamente favorável para os curdos, porque eles eram a um segmento da sociedade do Iraque, que foi favorável à invasão e ocupação - relativamente. Ela se opunha fortemente a autonomia curda, por razões geoestratégicas gerais. Ela provavelmente viu as partes curdas do Iraque como uma base em potencial para o poder dos EUA, alinhados mais ou menos abertamente com Israel, o cliente mais importante de Washington na região. Obama disse muito pouco, mas eu esperaria que suas políticas sejam semelhantes.

- Qual será o impacto do “plano de retirada do Iraque", de Obama, sobre a estabilidade do Iraque e do processo político lá?

Chomsky: Obama indicou que vai cumprir o Acordo do Estatuto das Forças que Bush foi obrigado a aceitar, depois de recuar, passo a passo, em face da multidão de resistência não-violenta que o exército de ocupação não pode controlar, e no fim, abandonar os principais objetivos da guerra. Neste momento há um conflito sobre o referendo que é exigido pelo SOFA - Status of Forces Agreement (Acordo do Estatuto das Forças). Obama é pressionado pelo governo iraquiano para não realizá-lo. As razões são abertamente declaradas: sua administração teme que a população convoque mais rápido a retirada das forças de ocupação.

- Na sua opinião, o que uma abordagem liberal internacionalista, do tipo que Obama parece favorável, trará às ambições separatistas, em geral, e a questão curda, em particular?

Chomsky: A palavra importante na questão é "parece". A postura pública de Obama é vindoura e apropriada, e tem uma aura de internacionalismo liberal. Não há nenhuma indicação de que ele iria considerar um Curdistão independente, e é altamente improvável, em função dos compromissos geoestratégicos dos EUA. A questão da justiça é principalmente uma questão de retórica, como no passado. Falta aos curdos e outros a capacidade de clareza sobre esses assuntos, e não sucumbirem às ilusões. O melhor conselho é: prestem atenção nos fatos, e não deixem-se ser seduzidos pela retórica e pelas promessas vazias.

- "Nós não estamos em guerra com o Islã", isto é o que Obama disse durante sua recente visita à Turquia. Você acha que, como sugerem alguns, esta nova abordagem em relação ao mundo islâmico será o "Fim do Choque de Civilizações"?

Chomsky: Não houve início ao "choque de civilizações", de modo que não pode haver um fim. Basta considerar as circunstâncias no momento em que a doutrina foi promulgada por Bernard Lewis e Samuel Huntington. O estado muçulmano mais populoso era a Indonésia, um aliado próximo EUA desde 1965, quando o general Suharto realizou um golpe assassino, matando centenas de milhares de pessoas e abrindo os ricos recursos do país para as sociedades industriais. Ele continuou um amigo leal, apesar dos inúmeros crimes dentro e fora do país, entre eles a invasão do Timor Leste, que chegou perto do genocídio como qualquer evento do período moderno. Permaneceu "O nosso tipo de cara", como a administração Clinton declarou, em 1995, e manteve esse status, até que ele perdeu o controle e os EUA determinou que seu tempo havia acabado. O mais extremo estado muçulmano fundamentalista foi a Arábia Saudita, o mais velho e mais valioso aliado de Washington na região. Naquele tempo, Washington estava levando suas guerras assassinas na América Central a um final sangrento, visando especificamente a Igreja Católica. Seus praticantes da "teologia da libertação" procuraram trazer as lições pacifistas radicais do Evangelho para a sociedade camponesa que estava sofrendo sob o jugo imposto pela tirania dos EUA. Isso foi claramente inaceitável, e eles se tornaram as primeiras vítimas das guerras terroristas de Washington. Uma das propagandas da famosa Escola das Américas é o orgulho pelo exército dos EUA que "derrotou a teologia da libertação". Se continuarmos, nós encontramos confrontos familiares, mas nenhum "choque de civilizações" - uma noção que foi construída no fim da Guerra Fria como um pretexto para as políticas empreendidas por outras razões, também familiares. As políticas de Bush evocaram uma enorme hostilidade no mundo muçulmano. Muito sensatamente, Obama está tentando reduzir a hostilidade, embora não haja indicação de uma mudança substancial nas políticas ou motivações.

- Qual é o seu conselho e recomendações para a administração de Obama em relação a política dos EUA no Iraque e aos curdos?

Chomsky: Não posso responder. Eu discordo com os fundamentos desta política, e não posso dar conselhos nesse âmbito.
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