Os Livres: poiésis X teoria


Os Livres (Die Freien) era um grupo de intelectuais (em parte, do movimento jovem hegeliano) que se reunia em Berlim. Originalmente era chamado O Clube dos Doutores, antes de 1842, e incluía Karl Marx. Depois que Marx partiu para Paris, O Clube dos Doutores tornou-se o círculo dos Livres. O grupo passou a se reunir, principalmente, em torno de Bruno Bauer. Tinha Friedrich Engels (que depois foi encontrar Marx em Paris), Ludwig Buhl, Karl Nauwerck, o editor Otto Wigand, Meyen, Koppen e Max Stirner.
Os Livres reuniam-se em bares de Berlim, mas, especialmente, no Hippel's Weinstube, e debatiam filosofia, religião e política por toda noite. Criticaram a “religião revelada” (judaica/cristã/islâmica) e a Igreja Luterana. Debatiam fortemente suas opiniões sobre a política da época, em especial, o reinado de Frederico Guilherme IV da Prússia, o cristianismo, a filosofia hegeliana e sua aplicação prática.
Em novembro de 1842, Arnold Ruge veio propor a Bruno Bauer e outros Livres a fundação de uma universidade; Bauer recusou, dizendo que sua crítica devia ser livre e flúida. A conversa tornou-se uma disputa imortalizada em uma caricatura desenhada por Engels (que está no topo deste texto). O grupo cessou suas atividades no final dos anos 1840; uma possível causa é que suas idéias, incluindo a famosa “crítica” de Bruno Bauer, foram ultrapassadas e severamente criticada por Max Stirner (ex-membro dos Livres) em seu livro O Único e sua Propriedade.
Os Livres não era ideologicamente homogêneo, era mais a combinação de pontos de vista diferentes da Esquerda Hegeliana (ou jovens hegelianos).

“Um singular agrupamento esse clube ou reunião que acontecia no estabelecimento de um certo Hippel, cervejeiro renomado pela boa qualidade das bebidas que fornecia e cuja casa localizava-se numa das ruas mais movimentadas de Berlim da época. Sem regulamento, sem presidente, desprezavam-se todas as críticas e ali se ridicularizavam todas as censuras. As discussões mais acaloradas aconteciam em meio à fumaça produzida por longos cachimbos de faiança bem conhecidos daqueles que freqüentaram as brasseries ultra-renanas; discutia-se esvaziando canecas de chope. Todos os tipos de personagens ali se encontravam e se acotovelavam, os permanentes - o círculo íntimo - firmes em seus postos durante anos, depois os passageiros, que vinham, iam-se, retornavam, desapareciam. Para bem compreender a história desse grupo seria preciso colocar-se na pele do mundo intelectual alemão de 1830 a 1850. A Alemanha encontrava-se então em completa agitação provocada pela crítica religiosa - A Vida de Jesus, de Strauss, datada dessa época - e pelas aspirações rumo à liberdade política que deveriam desembocar na revolução alemã de 1848.
Entre os Livres, discutia-se de tudo e sobre tudo; política, socialismo (sob sua forma comunista), anti-semitismo (que começava a afirmar-se), teologia, noção de autoridade. Teólogos como Bruno Bauer ladeavam jornalistas liberais, poetas, escritores, estudantes felizes em escapar do ensino ex-cathedra e, inclusive, alguns oficiais capazes de falar de outra coisa além de cavalos e mulheres, e possuíam bastante tato para deixar arrogância e látego à porta. Viam-se também ali algumas ‘damas’ (entre elas, Marie Dänhardt, segunda mulher de Stirner); Marx e Engels também frequentaram, mas não por muito tempo.
Boêmios e iconoclastas que eram, os Livres nem sempre tiveram boa aceitação na imprensa nem boa reputação. Sustentava-se que no Hippel perpetuavam-se autênticas orgias - à alemã. Um de seus visitantes de ocasião, Arnold Ruge, exclamou-lhes um dia:
‘Quereis ser Livres e sequer observais a lama pútrida em que estais mergulhados. Não é com porcarias (Schweinerein) que se liberta os homens e os povos. Limpai-vos a vós mesmos antes de aplicar-vos a tal tarefa’.
A abundância nem sempre reinava entre os mebros do ‘bando da brasserie de Hippel’. Certa noite em que o cervejeiro recusou-se a servir, foi necessário passar o chapéu na avenida ‘sob a Tílias’ - Unter den Linden -, Bruno Bauer bem como os outros. Um generoso estrangeiro, compreendendo a situação, e, divertindo-se ainda mais por estar interessado, forneceu o subsídio necessário para zerar a dívida com Hippel.”
(Émile Armand, "Prefácio de O Único e sua Propriedade", in: ARMAND, E., BARRUÉ, J., FREITANG, G. Max Stirner e o Anarquismo Individualista, Trad. Plínio Coêlho - São Paulo: Imaginário, 2003, p. 77-9.)

Marx sobre os Livres:
“Berlin, 25 de novembro de 1842.
O Elberfelder Zeitung e, por ele, a Didaskalia contém a notícia que Herwegh visitou a sociedade dos Livres, mas a encontrou abaixo de qualquer crítica. Herwegh não visitou essa sociedade e, então, não poderia encontrá-la nem abaixo nem sobre qualquer crítica. Herwegh e Ruge acreditam que Os Livres estão comprometendo a causa e o partido da liberdade graças ao seu romantismo político, sua mania de genialidade e de bajulação, algo que foi francamente constatado por eles, talvez com alguma ofensa. Consequentemente, se Herwegh não visitou a sociedade dos Livres, que individualmente são pessoas excelentes em sua maioria, não foi porque ele defende outra causa, mas apenas porque, tal como alguém que quer estar livre das autoridades francesas, ele odeia e acha ridícula a frivolidade – o típico estilo berlinense de comportamento – e a insípida caricatura dos clubes franceses. A falta de educação e a amoralidade devem ser resolutamente repudiadas em um período que demanda pessoas sérias, másculas e sóbrias para conseguir o cumprimento de suas majestosas metas.”


“A liberdade é o poder infinito do Espírito ... Liberdade, o único fim do Espírito, é também o único fim da história, e a história não é outra coisa senão o Espírito tornando-se ‘consciente’ de sua liberdade, ou tornando-a Real, Livre, Infinita auto-consciência”.
(Bruno Bauer, 1842)



“O homem livre é determinado puramente a partir de si”
(Max Stirner, 1844)

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