Pragmatismo, Pós-Hegelianismo, Anti-Essencialismo

Em meados do século XIX, Max Stirner, membro da chamada “esquerda hegeliana”, publica seu livro O Único e sua Propriedade, onde faz uma crítica radical à modernidade e adota um discurso como pós-moderno (no sentido de pós-metafísico) combatendo idéias tradicionais, como “verdade” e “essência”, em favor das noções de “Eu-proprietário” e “singularidade-do-próprio”, antecipando, dessa maneira, posições semelhantes às que o pragmatismo irá adotar posteriormente. Essa filosofia stirneriana do “Egoísmo” que tanto incomodou seus contemporâneos (Marx, principalmente) tem uma preocupação extrema com a liberdade individual, e defende a noção de ser o indivíduo a sua própria causa e sentido, o que exigiria, então, uma filosofia da práxis, ou melhor, uma práxis na filosofia. Acredito, então, que o movimento jovem hegeliano poderia ser visto como o primeiro momento de um desenvolvimento do pragmatismo, tendo Stirner, no seu âmbito, o tipo de diferenças pós-metafísicas de Richad Rorty, no neo-pragmatismo do século seguinte, na medida em que Stirner faz uma filosofia que critica a distinção entre aparência e realidade, seja esta Deus (como queriam os medievais) ou “Homem” (como queriam os modernos). Há em Stirner uma preocupação anti-essencialista, um tipo de “anti-platonismo” (algo ainda muito novo na filosofia ocidental), que se aproxima muito da filosofia pragmatista, especialmente de Rorty. “Para o pragmatista, não existe uma coisa como a natureza intrínseca, a essência de X”, diz Rorty.
Em seu livro Contingência, Ironia e Solidariedade, Richard Rorty assume uma posição “anti-platônica” (anti-essencialista) em expressões como “abandonar a idéia de ‘conhecer a verdade’” e “não pensar o mundo como possuindo uma natureza intrínseca (uma essência)”. O próprio Rorty atribui a Nietzsche a iniciativa de ser o primeiro a assumir explicitamente essa crítica. Já Habermas (em O Discurso Filosófico da Modernidade) dá uma abertura maior ao início dessa discussão, colocando-a no debate do movimento jovem hegeliano (e também na filosofia de Nietzsche). Esse quadro, de esforço não-metafísico, poderia ser identificado, de maneira geral, como “pós-hegeliano”. Hegel tem papel importante na filosofia de Rorty na medida em que põe a "verdade" na história, num contexto. Vejo, então, Rorty como um desses pós-hegelianos que criticaram a verdade, a essência, a natureza intrínseca do mundo. Mas, partindo para o princípio desse debate, discordo quando ele afirma que Nietzsche o começou, e volto, como Habermas, aos hegelianos de esquerda, esse grupo berlinense de pensadores do século XIX, onde encontramos, entre outros, Marx, Engels, Bruno Bauer, Feuerbach e Stirner, todos com suas respectivas críticas à filosofia (e uns aos outros). Porém, penso que é na crítica de Max Stirner que realmente a questão de superação de um pensamento metafísico (essencialista, platonista) é posta na sua melhor (e primeira) forma, e que Nietzsche, alguns anos mais tarde, retoma. Stirner seria uma espécie de fundador da pós-modernidade (como já foi dito, no sentido de ser pós-metafísico).
Traçando, então, uma linha histórica, os jovens hegelianos, Nietzsche e Rorty (também Habermas), poderiam ser vistos como pós-hegelianos, tendo Stirner, Nietzsche e Rorty o destaque de filósofos da negação da essência (de abandono da idéia tradicional de verdade).

Entrevista: Roberto Mangabeira Unger


Entrevista (trechos) concedida pelo ministro Roberto Mangabeira Unger à revista Playboy (edição de junho de 2008):

- O ex-vice-presidente norte-americano Al Gore já disse que a Amazônia não é nossa, mas de todos. O jornal inglês The Independent publicou que a Amazônia é importante demais para ser deixada nas mãos dos brasileiros. Na discussão sobre a soberania da floresta, de que lado o senhor está?

Unger: Estou do lado da discussão inequívoca e incondicional da nossa soberania. Quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil, ninguém mais. O que é preciso compreender é que a Amazônia não é um conjunto de árvores, mas um grupo de pessoas. Se os mais de 25 milhões de brasileiros que moram lá não tiverem oportunidades econômicas, haverá atividade desordenada que levará ao desmatamento. Não resolveremos nem o problema ambiental nem o problema da defesa se não resolvermos também o problema de oportunidades econômicas.

- O governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), declarou recentemente que não há agricultura sem devastação. O senhor concorda com essa frase?

Unger: Não. (...) Isso não é verdade. Para cada hectare sob lavoura no Brasil há três hectares entregues à pecuária extensiva. No próprio estado do Mato Grosso toda a atividade agrícola é conduzida em 8% do território. O Brasil poderia com facilidade dobrar a sua área cultivada sem tocar em uma única árvore.

- O senhor concorda com a criação da Guarda Nacional para a Floresta, que está sendo discutida entre o presidente Lula e o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc?

Unger: Vivemos num mundo em que a intimidação ameaça tripudiar sobre a candura. Neste mundo, os meigos precisam andar armados. A gente tem que perder o medo de falar em repressão. O problema não é que tenha havido repressão da atividade criminosa na Amazônia. O problema é que não tenha havido repressão suficiente. Nossa proposta é reorganizar as Forças Armadas em torno da vanguarda tecnológica.

- Como o senhor viu o episódio da agressão em Altamira (PA) de índios contra o engenheiro da Eletrobrás Paulo Rezende, que defendeu a construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu?

Unger: A violência é intolerável e inadmissível. No Brasil, precisamos deixar de romantizar e sentimentalizar a questão indígena. Há uma combinação paradoxal entre generosidade e crueldade no tratamento dos indígenas. Reservamos a eles grande parte do nosso território nacional, 13%, mas lhes negamos oportunidades econômicas. Um dos problemas é que muitas vezes temos visto os índios pelo prisma dos antropólogos.

- Como assim?

Unger: Os índios são como a gente. Tratá-los como crianças eternas é uma agressão à natureza do indivíduo. Eles querem ter uma vida completa. Alguns querem seguir em suas reservas e preservar seus ritos, mas outros querem ter atividade econômica e capacitar-se na educação. Não precisam ser aprisionados em paraísos verdes porque alguns intelectuais julgam que precisam homenagear a doutrina da infância eterna. Não queremos ser tratados como indivíduos que estão eternamente aprisionados nas narrativas de Gilberto Freyre. Então não devemos tratar os indivíduos dessa forma.

- O senhor foi classificado pelo jornal The New York Times como um visionário e tornou-se professor da Universidade de Harvard aos 23 anos. Ou seja, tem boa reputação internacional. No entanto, não é levado a sério no Brasil nem pelos intelectuais de esquerda nem de direita. Por que isso acontece?

Unger: Há várias coisas a dizer. Em primeiro lugar, nunca militei entre a intelectualidade brasileira, não faço parte de correntes ou grupos. Não fiz isso nem na Universidade de Harvard. Em segundo lugar, meu pensamento se opõe ao marxismo encolhido e às ciências sociais dos Estados Unidos, que dominam, há muito tempo, o pensamento brasileiro. Eu não tenho dedicado muito tempo e energia pra me justificar diante dos intelectuais brasileiros. Mas eu devo me explicar. Em geral, no mundo, é necessário agir e explicar ao mesmo tempo. E talvez se eu explicar mais haja mais entendimento do que penso. Quando comecei a ensinar em Harvard, muito jovem, e as minhas idéias eram atacadas, eu me incomodava muito. Eu sofria. E mais recentemente, quando as pessoas me atacam, como geralmente ocorre, não sinto nada. É como se eu estivesse vestindo uma couraça que nenhuma flecha consegue penetrar.

- Quando estava em Harvard, o senhor foi professor de Barack Obama, pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos. Que tipo de aluno ele era?

Unger: Não julgo correto dar muita relevância a esse tema. Fui professor de Obama entre 1990 e 1991. Dele me tornei amigo. Admiro-o ainda mais pelas virtudes morais que pelas qualidades intelectuais. Acumulam-se os sinais de que os Estados Unidos se aproximam de um de seus momentos periódicos de inflexão histórica. A mudança se acelerará se Obama for eleito presidente. O Brasil é o país no mundo mais parecido com os Estados Unidos, embora esse fato não seja reconhecido nem no Brasil nem nos Estados Unidos.

- Barack Obama foi seu aluno em que disciplina?

Unger: O curso que Obama tomou comigo chamou-se Reinventing Democracy [Reinventando a Democracia]. Não ensino disciplinas, ensino minhas idéias.

(...)
- Quando o senhor era criança e morava nos Estados Unidos, falava português em casa?

Unger: Eu nasci no Rio e fui para os Estados Unidos aos quatro meses. Meu pai era um advogado norte-americano que havia nascido na Alemanha e conhecido minha mãe durante o último exílio de meu avô, Otávio Mangabeira [ex-governador da Bahia e ex-senador], nos Estados Unidos. Moramos lá até a morte do meu pai, quando eu tinha 11 anos. Falávamos inglês, minha mãe não conseguia que minha irmã e eu falássemos português. Geralmente tínhamos uma empregada brasileira ou portuguesa e falávamos algum português com elas. Mas eu falava sobretudo nos verões, quando meus pais me mandavam passar as férias com meu avô, que era senador pela Bahia e morava no Rio de Janeiro.

- As crianças brasileiras não caçoavam de seu sotaque?

Unger: Eu não convivia com crianças. Meus amigos de 70 anos eram polidos para se referir ao meu sotaque.

- Os seus amigos de infância tinham 70 anos?

Unger: Sim [risos]. Eu vinha para o Brasil e ficava com meu avô Otávio no Hotel Glória. Pela manhã andávamos até o Senado. Nessa época, a capital do país era o Rio de Janeiro. Eu ficava o dia todo na galeria do Senado. Tinha uns sete anos. Assistia aos debates e, à noite, depois do jantar, meu avô recebia os velhos liberais, como o Milton Campos [senador por Minas Gerais] e o brigadeiro Eduardo Gomes. Depois meu avô me levou para São Paulo. Fui recebido no aeroporto pelo senador Roberto Simonsen, que me apresentou a cidade e me levou a Santos. Ou seja, todos os meus amigos brasileiros tinham 70 anos [risos].

- Em vez de assistir às sessões do Senado, não lhe parecia mais interessante ir à praia jogar bola?

Unger: Não. Eu não só convivia com meu avô como também lia Plutarco e as biografias dos gregos e romanos. Fui criado na cultura heróica da vida pública. Acho difícil para uma pessoa que conheça isso criança aceitar qualquer alternativa. Já me interessava pela vida pública. Lembro-me que quando tinha dez anos, o presidente norte-americano Dwight Eisenhower fez um discurso sobre o complexo industrial militar. E eu escrevi uma longa carta a ele.

- O que o senhor dizia na carta?

Unger: Fazia críticas e propostas sobre o assunto. Nos Estados Unidos as cartas são sempre respondidas por um staff. Então eu estou no nosso apartamento em Nova York quando recebo um telefonema. Ficaram surpresos ao descobrir que eu era uma criança [risos]. Disseram: O presidente recebeu sua carta e em geral as cartas são respondidas por nós. Mas algumas são selecionadas para ser respondidas pelo presidente e a sua ele responderá . Dito e feito, três dias depois chega uma carta registrada com uma longa resposta do presidente. Depois disso enviei muitas cartas para os presidentes brasileiros e nenhuma delas foi jamais respondida. E eles não tinham a desculpa de não saber a minha idade [risos].

- Quando o senhor era criança e faziam-lhe a clássica pergunta: O que você vai ser quando crescer? , qual era a sua resposta?

Unger: Desde muito cedo eu imaginava que seria uma combinação de pensador com homem de ação. Desde criança sempre tive a preocupação com a brevidade da vida e esse sentido de que só a intensidade nos consolaria a expectativa da morte.

- Não é muito convencional que uma criança tenha esse tipo de pensamento, ministro.

Unger: Eu comecei a estudar filosofia muito cedo. Minha mãe lia para mim A República de Platão quando eu tinha oito anos. A partir daí passei a ler vorazmente os filósofos. Depois de Platão, passaria a ter enorme admiração por Hegel. Eu lia porque era uma forma de viver intelectual superior, era a tentativa do homem de se aproximar de Deus.

- O senhor acredita em Deus?

Unger: Essa é uma pergunta difícil. Não por razões políticas, porque não sou candidato a nada. Minha obra, como alguns críticos gostam de apontar, está eivada de influências cristãs e intenções quase teológicas. Mas eu não julgo que eu poderia dizer que creio em Deus no sentido que essa palavra normalmente tem. A resposta mais fiel a isso, no sentido literal da palavra, seria não.

(Veja a entrevista completa em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_283340.shtml?func=2)
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